Afetos na pandemia. A origem da palavra pandemia vem do grego: pan = tudo ou todos e demia = democracia / povo. Então pandemia diz respeito a todo o povo, a todos nós.
A ideia aqui é refletirmos como fomos e somos afetados pelas contingências da situação de pandemia e pelo isolamento social. Podemos pensar que cada um é afetado da sua maneira, pois cada um traz dentro de si uma singularidade, traz um jeito de ser e de sentir. Para algumas pessoas há maiores graus de emoções e sofrimentos sentidos e para outros, nem tanto.
Temos percebido que os sentimentos que estão mais presentes nas conversas entre as pessoas são dor, angústia, melancolia, medo, tristeza, raiva e inveja. Percebemos não só afetos negativos mas também positivos como alegria, amor, solidariedade e saudade. Afetos distintos, que afetam cada um de nós de forma diferenciada.
A palavra afeto tem sua origem na palavra latina affectus, que significa disposição, estar inclinado a. A raiz vem de afficere, que corresponde a afetar e significa fazer algo a alguém, influir sobre. Então, o afeto pode produzir uma ação em nós, uma potência de agir e pode ser positivo, mas o contrário também é verdadeiro, o afeto negativo diminui a potência da ação e pode imobilizar.
Segundo o psicanalista Sigmund Freud, a vida psíquica com suas modalidades de conflitos, sofrimentos, desejos, interligando os afetos, não são unidades estanques e isoladas, estão em movimento, porque a vida e as relações pessoais estão em movimento o tempo todo.
Afetos na pandemia – A nova rotina
Antes da pandemia, todos tínhamos rotina de trabalho, filhos nas escolas, cada um se ocupava de diferentes atividades. Com o isolamento, a rotina mudou radicalmente porque as pessoas passaram a ficar em casa, os espaços precisaram ser divididos, selecionar o que se vai ouvir ou não, a alimentação, e tudo passou a necessitar de acomodação.
Tivemos dificuldades de fazer ajustes na nova realidade. Ouvimos falar que aumentou o número de divórcios na China, relatos no Brasil sobre conflitos entre casais, conflitos familiares, outros, ainda, tiveram sonhos interrompidos, romperam-se laços sociais que estavam sendo formados, enfim, tivemos conflitos que estão no campo familiar e afetivo.
Diante dos conflitos, há processo de irritação que leva à raiva e os afetos começam a nos tocar de forma negativa.
Outro aspecto de sofrimento presente e intenso é a questão do trabalho. Tem uma parte da população que tem medo de perder o trabalho, de como vai lidar com o sustento da família, e é um medo real, e cada pessoa está enfrentando isto tudo a sua maneira, com questões de incerteza em relação ao futuro, trazendo sofrimento psíquico, pois o emocional fica abalado e por vezes essas afecções tem reflexo na saúde física.
Nossos medos
Há o medo diante de um vírus com alta taxa de contaminação. Surgem as regras de cuidados que precisam ser obedecidas, questões ligadas ao distanciamento social, usar álcool em gel, não sair de casa, só se for estritamente necessário, higienização ao voltar para casa, limpar todos os produtos que chegam do mercado, ou seja, temos uma série de protocolos que precisam ser seguidos. Isto tudo nos coloca em situação de receio, de como podemos ter nossa saúde física e mental afetadas, e aí surgem diversas perguntas internas: e se eu for contaminado? E se alguém da minha família for contaminado?
O medo em si não é algo que nos imobiliza totalmente, pois também nos preserva em certa medida. Quanto medo temos e como lidamos com o medo é que fará a diferença.
O que pode amenizar o medo é termos consciência de que estamos tomando todos cuidados necessários, estamos respeitando as normas, cuidando de nós mesmos e do outros e, em última instancia, o que temos na ponta e o que tememos é a “morte”.
Por outro lado, encontramos casos em que a pessoa está feliz por não sair de casa e não sair da frente do computador.
A questão é que não temos opção e sim uma restrição que nos impede de ter a vida que chamávamos de vida “normal”. Temos um novo “normal” e o sofrimento é uma questão ampla, então temos sofrimentos de caráter social, vulnerabilidade, pessoas que estão sem alimentos, dependendo da ajuda de terceiros, pessoas em situação de rua, vários níveis de sofrimentos. Temos situações de casos emergenciais no sentido de preservação da vida.
Afetos na pandemia – O Nosso papel
Boa parte da população acaba sendo resiliente, alguns sofrem mais e outros menos, mas todos sofrem. Diversos pesquisadores da área da saúde mental advertem para o risco de trauma pós pandemia e hoje não existe muito investimento em saúde mental de forma preventiva. No Brasil já vinha sendo comentado sobre indicadores altos de ansiedade e depressão e o momento de pandemia aumenta a pressão interna, tensiona e o sofrimento fica mais intenso.
Algumas pessoas sairão melhores do que quando entraram na quarentena, ou seja, nem tudo é tão ruim ou negativo, pois depende de disposições internas, assim como também a quarentena pode revelar o melhor de nós, podemos fazer novas atividades que antes não tínhamos tempo para fazer, podemos nos dedicar aos estudos, ao trabalho, podemos fazer atividades físicas, podemos estar com os filhos, com a família, curtir nossa casa e outras atividades para as quais antes tínhamos pouco tempo.
Estas são questões que precisamos refletir e principalmente pensar em como estamos lidando com este momento. Precisamos aproveitar o momento para olharmos para nós mesmos, percebermos o que nos incomoda e com o que lidamos de forma mais fácil. Aproveitar este momento para nos conhecermos melhor, perceber o que gostamos e o que não nos agrada.
A crise é mundial e vai afetar cada um de forma diferente, é natural. Precisamos ter consciência da situação, perceber como estamos reagindo, o que estamos sentindo e até mesmo pensar em pedir ajuda caso sintamos necessidade. O importante é percebermos os nossos sentimentos e afetos e cuidarmos para que possamos sair da pandemia mais fortes e confiantes.
Gostou deste artigo? Entre no nosso site e viste nosso blog outros.